Vivemos
nos últimos dias uma crise que vem abalando os alicerces da sociedade mundial.
À confiança nos avanços da medicina nas últimas décadas veio se contrapor a
incerteza na sua capacidade de nos proteger contra os efeitos devastadores de
uma gripe. Abriram-se porões e sótãos de nossa memória coletiva, liberando
fantasmas de pestes e pandemias vividas em séculos passados. O medo se
instaurou. À possibilidade de uma contaminação real veio se somar outro tipo de
contaminação mais imperceptível, porém igualmente nefasta. Sinais de pânico vão
se evidenciando cada vez mais entre a população, trazendo consigo toda sorte de
somatizações. Como enfrentar essas próximas semanas, talvez meses, com uma
condição psíquica tão fragilizada? Como nós psicanalistas, terapeutas,
psicólogos estamos lidando com nossos pacientes, com a comunidade e com nós
mesmos? De que forma nossa ciência e práticas podem contribuir nesse momento traumático
e novo para todos de nossa geração?
Terapeutas
que trabalham com o trauma a partir de uma abordagem simbólica e corporal, como
é o caso da Bioenergética e da Experiência Somática, entendem que o medo é uma
reação natural a qualquer ameaça externa para a qual não temos resposta pronta e imediata. Ele é positivo por
nos colocar em estado de alerta permitindo avaliar a situação, identificar a
melhor alternativa e completar a ação. Ou lutamos se é possível, ou fugimos se
percebemos que não vamos dar conta. Mas o medo pode ser negativo também. Isso
ocorre quando a resposta não se completa adequadamente e perdemos a capacidade
de perceber possíveis saídas. Nesse caso ocorrem dois tipos reação: ou
paralisamos, (“congelados de medo”), ou ficamos superativados realizando ações exageradas
que nos colocam em risco. Nas duas situações o indivíduo fica dissociado, ou
seja, perde a capacidade de se sentir de posse do seu Eu por inteiro, como se
mente e corpo não se comunicassem suficientemente, cada qual seguindo um
registro diferente. É nesse momento que se instala o estresse crônico em forma
de pânico, angústias, depressões e estados dissociativos mais graves,
dependendo da intensidade da situação traumática que o gerou.
Diante
da atual pandemia, estamos todos aprendendo a lidar com um cenário totalmente
desconhecido que nos desafia a cada dia. A percepção do perigo diminui a
regulação exercida pelo córtex pré-frontal sobre a amígdala cerebelar, causando
um estado de confusão e distorção cognitiva que nos deixa desorientados.
Tendemos a oscilar entre estados de entorpecimento ou de superativação. Podemos
nos sentir impotentes, frustrados ou, ao contrário, dominados por uma
aceleração mental e motora. E até tudo isso ao mesmo tempo.Tais situações
desencadeiam sinais físicos e psíquicos que podem variar desde preguiça
excessiva, sono letárgico até sintomas
de irritabilidade e intolerância com as demandas cotidianas, dificuldade de
relaxar, dores musculares, pesadelos e problemas de atenção e concentração.
Nossa
boa saúde física, mental e emocional depende da capacidade de nos autorregularmos
nessa polaridade. Não obstante ser impossível controlar a situação externa,
podemos fazer muito por nossa condição interna. Mesmo em estado de confinamento,
precisamos criar condições de lazer (jogos, brincadeiras, filmes, cozinhar pra
quem gosta...), atividades físicas (disponibilizadas inclusive pela internet
como aulas de yoga, dança, exercícios bioenergéticos, meditação, taichi...), contemplação
da arte (realizando passeios virtuais por museus, audição de músicas, concertos,
programas sobre vários temas artísticos...) etc. São todas atividades que elevam
os níveis de serotonina no cérebro e aumentam nossa sensação de bem estar.
Como
humanos fazemos parte da espécie dos mamíferos, animais gregários que dependem
dos vínculos afetivos para regular seus estados de fragilidade e insegurança. A
oxitocina, hormônio liberado quando estamos em contato afetuoso, é o melhor
antídoto para o cortisol, hormônio que se desregula em situações de estresse como
a que estamos vivendo. Por essa razão é tão importante nos cercarmos de pessoas
com as quais estabelecemos laços afetuosos e nos sentimos seguros.
Contraditoriamente, as recomendações do isolamento social forçam a nos
blindarmos dentro de nossas casas. Entretanto, mesmo impedidos de manter
contato físico com nossos parentes e amigos, a crise nos convida a experimentar
soluções criativas que a tecnologia contemporânea permite.
Usemos
então o skype, os telefones com chamadas de vídeo, ousemos criar grupos de bate
papo entre os familiares e amigos mais próximos... Tudo isso nos tirará do
isolamento, ampliará nossa sensação de pertencimento e segurança diminuindo os
níveis de estresse para que possamos nos reconfortar mutuamente e atravessar
essa tsunâmi viral com mais solidariedade, amorosidade e paciência com os
outros e conosco. Menos interação desorientada e ansiosa nas redes sociais e
mais contato virtual com pessoas reais e significativas pra nós.
Não
permitam que a pandemia viralize também seu equilíbrio psicossomático. Cuidem bem
dos seus corpos e mentes. Se perceberem que estão somatizando e se sentindo
incapazes de se autorregularem sozinhos não se culpem, não se rotulem de
tensos, ansiosos, deprimidos, panicados, descontrolados, apáticos... Procurem
ajuda profissional. A maioria dos terapeutas está oferecendo atendimentos
online, inclusive em sites gratuitos pela internet.
Para
finalizar, vale lembrar que felizmente somos uma espécie animal dotada de
recursos para enfrentar com criatividade e resiliência desastres, catástrofes,
perdas de todo tipo. Afinal foi isso que nossos ancestrais fizeram ao longo da
existência dos seres humanos na Terra. Eles sobreviveram e a maior prova é que
estamos aqui hoje. Nós também sobreviveremos. Somos herdeiros desse DNA!
Heloisa
Villela/Analista Bioenergética
Postado em: 23/03/2020